Reconhecimento fotográfico na delegacia não é suficiente para a instauração de ação penal.
Com base nesse argumento, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 653.790/SP trancou uma ação penal intentada em face de um réu que havia, em tese, participado de um roubo majorado em São Paulo.
Síntese do caso
Conforme a denúncia, no dia 09 de agosto de 2016, o réu, agindo em concurso com outros indivíduos não identificados, subtraiu, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, um aparelho celular e a quantia de mil reais em espécie, pertencentes à vítima.
Segundo o Ministério Público, a vítima foi surpreendida por dois veículos enquanto dirigia.
O réu, nos termos da exordial, desembarcou do carro e, utilizando-se de uma arma de fogo, ordenou que a vítima dirigisse, saindo do local em que estavam.
Decorridos 15 minutos de percurso, o acusado teria obrigado o dono do veículo a parar, oportunidade em que subtraiu os pertences mencionados.
Na delegacia, a vítima teria reconhecido o réu por fotografia, apontando-o como um dos autores do roubo.
O pedido da defesa
Irresignada, a Defensoria Pública de São Paulo impetrou Habeas Corpus objetivando o trancamento da ação penal no Tribunal daquele estado, mas a ordem foi denegada.
No STJ, a defesa sustentou que a denúncia contra uma pessoa com base única e exclusivamente em reconhecimento de foto (maiormente sem outra prova a ser produzida em juízo que não a formalização do reconhecimento) é temerária, especialmente quando a polícia civil seleciona a fotografia de quem se quer ver ‘reconhecido’.
O Ministério Público Federal concordou com o pleito defensivo, ressaltando a necessidade de observância estrita dos procedimentos definidos no art. 226 do CPP.
Ainda segundo o órgão ministerial, a denúncia baseou-se exclusivamente em reconhecimento fotográfico vago e frágil.
A decisão do ministro Felix Fischer
Denúncia não requer certeza
Fischer, a princípio, ressaltou que o trancamento da ação penal constitui medida de exceção, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, inépcia da exordial acusatória, atipicidade da conduta, presença de causa de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.
Observou, ainda, que uma denúncia exige tão somente a presença de indícios mínimos, de forma que a certeza somente será comprovada ou afastada no curso da instrução.
O uso do reconhecimento de pessoas na visão do STJ
Segundo Fischer, o Superior Tribunal de Justiça entendia pela possibilidade de a autoridade policial diligenciar para a colheita da prova atípica de maneira não tão restrita, visto que apesar de tratar de diligência investigatória não prevista em lei, o artigo 6º, III, do CPP autoriza seu uso para o esclarecimento da infração penal.
Reconheceu, doravante, que a inobservância das regras previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal não gerava qualquer nulidade no inquérito policial ou na ação penal.
Importante observar, aqui, que o tribunal entendia que o conteúdo do artigo tinha caráter meramente recomendatório, não sendo a inobservância do seu conteúdo suficiente para decretar a invalidade do ato.
A mudança de entendimento
Destacando a mudança de entendimento recente no STJ, Fischer citou a paradigmática decisão do tribunal no Habeas Corpus 598.886/SC, de relatoria do Min. Rogério Schietti.
Na oportunidade, a Sexta Turma estabeleceu que o reconhecimento de pessoas, presencialmente ou por fotografia, só seria apto a identificar o réu quando observadas as formalidades do artigo 226 e existindo uma corroboração por outras provas colhidas na fase judicial.
Definiu a Turma naquela assentada que:
1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
Ordem concedida
O Min. Felix, de ofício, declarou insuficiente o reconhecimento fotográfico realizado, concedendo a ordem de ofício para determinar o trancamento da ação penal.
A decisão é do dia 10/05/2021.
Fonte: https://sintesecriminal.com/stj-reconhecimento-fotografico/